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sábado, 6 de agosto de 2011

Para o TJSC a PM de Santa Catarina pode lavrar TCO

Habeas corpus n. 00.002909-2, de Blumenau
Relator: Des. Nilton Macedo Machado
HABEAS CORPUS — INQUÉRITO POLICIAL — AUTORIDADE COATORA — DELEGADO DE POLÍCIA — AUTOS DISTRIBUÍDOS E REMETIDOS AO MINISTÉRIO PÚBLICO — COMPETÊNCIA DECLINADA PELO JUIZ DE PRIMEIRO GRAU AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - CONHECIMENTO. 
Uma vez remetido o inquérito policial a juízo, mesmo antes do recebimento da denúncia, a autoridade coatora passa a ser o juiz, que possui ingerência exclusiva sobre o processo. 
HABEAS CORPUS — LEI N. 9.099/95 — AUTORIDADE POLICIAL – POLICIAL MILITAR – LAVRATURA DE TERMO CIRCUNSTANCIADO — POSSIBILIDADE -  INDICIAMENTO EM INQUÉRITO POLICIAL POR PRETENSA USURPAÇÃO DE FUNÇÃO – INADMISSIBILIDADE DIANTE DOS PRINCÍPIOS REGEDORES DA LEI N. 9.099/95 – FALTA DE JUSTA CAUSA — TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL — ORDEM CONCEDIDA.
A Constituição Federal, ao prever uma fase de consenso entre o Estado e o agente, nas infrações penais de menor potencial ofensivo, criou um novo sistema penal e processual penal, com filosofia e princípios próprios.
Para a persecução penal dos crimes de menor potencial ofensivo, em face do sistema previsto na Lei dos Juizados Especiais Criminais, e dando-se adequada interpretação sistemática à expressão “autoridade policial” contida no art. 69 da Lei n. 9.099/95, admite-se lavratura de termo circunstanciado por policial militar, sem exclusão de idêntica atividade do Delegado de Polícia.
O termo circunstanciado, que nada mais é do que “um registro oficial da ocorrência, sem qualquer necessidade de tipificação legal do fato”, prescinde de qualquer tipo de formação técnico-jurídica para esse relato (Damásio E. de Jesus).
Vistos, relatados e discutidos, estes autos de Habeas Corpus n. 00.002909-2, da Comarca de Blumenau (2a Vara Criminal), em que é impetrante o Dr. Marcello Martinez Hipólito, sendo pacientes Onésio Astor David e Márcio Luiz Cipriani:
ACORDAM, em Segunda Câmara Criminal, por votação unânime, conceder a ordem para trancar o inquérito.
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado na comarca de Blumenau, pelo bacharel Marcello Martinez Hipólito, 1º Tenente PMSC, com atividades na “Assessoria Jurídica do Gabinete do Comando-Geral da Polícia Militar de Santa Catarina”, em favor de Onésio Astor David e Márcio Luiz Cipriani, policiais militares lotados no 10o Batalhão de Polícia Militar sediado em Blumenau, alegando que os pacientes estão sofrendo constrangimento ilegal “em face de indiciamento” (fls. 02) determinado pelo Delegado Regional da 3ª Delegacia Regional de Polícia ao Delegado da 2ª Delegacia de Polícia Civil, imputando-lhes a conduta do art. 4o, letra “h”, da Lei n. 4.898/65 e, posteriormente, a prática das infrações dos arts. 319 e 328, do CP.
Isto porque os pacientes, no dia 08.01.00, deram voz de prisão e lavraram Termo Circunstanciado e de Compromisso, nos termos dos arts. 69 e 72, da Lei n. 9.099/95 contra o Sr. Darci José Gonçalves, proprietário de um estabelecimento de exposição de galos, diante de notícias de “rinhas” e busca e constatação da existência no local, “de 03 (três) galos com ferimentos e ensangüentados, bem como com acessórios de aço nas patas” (fls. 03), configurando suposta infração ao art. 32, da Lei n. 9.605/98 (praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos).
Segundo o impetrante, “a questão que se apresenta no momento se refere ao conflito hoje existente no sentido da exclusividade ou não da Polícia Civil na atividade de polícia judiciária (diga-se aqui confecção do Termo Circunstanciado) e qual a autoridade policial a que se refere a Lei n. 9.099/95, em seu art. 65” (fls. 04). 
Endereçado o “writ” ao juízo da comarca de Blumenau, a análise da liminar foi relegada ao retorno das informações, esclarecendo a autoridade policial apontada como coatora que o Inquérito Policial n. 028/00, instaurado contra os pacientes, foi concluído, relatado e encaminhado ao Poder Judiciário em 21.02.00 (fls. 64).
A ilustre Dra. Juíza Substituta decidiu não conhecer da ordem, em razão da incompetência daquele juízo de primeiro grau (fls. 94/96), remetendo-se os autos a esta Instância, onde a douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Dr. Demétrio Constantino Serratine, opinou pelo conhecimento e denegação do pedido.
Aos autos vieram informações colhidas no Sistema de Automação do Poder Judiciário do Estado, noticiando que o inquérito foi distribuído à 2a Vara Criminal da comarca de Blumenau, em 25.02.00, sendo recebido em 29.02.00 e remetido ao Ministério Público para manifestação.
É o relatório.
1. No caso peculiar dos autos, há que se reconhecer ser desta Instância a competência para conhecimento da ação constitucional, em face da distribuição, recebimento em Juízo e encaminhamento dos autos de inquérito ao Ministério Público para manifestação.
Isto porque, “em tema de habeas corpus, uma vez remetido o inquérito a juízo mesmo enquanto não recebida a denúncia, a autoridade coatora não é mais do delegado de polícia, mas, sim, do próprio magistrado” (RT 536/271), o qual possui ingerência exclusiva sobre o processo. 
2. A controvérsia gerada pela interpretação de alguns dos dispositivos da Lei n. 9.099/95, especialmente no tocante à expressão “autoridade policial”, inserta no art. 69 (“a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários), exige considerações preliminares acerca da criação de um novo sistema que, na sua essência, é distinta daquele adotado pelo Código de Processo Penal, em vigor desde 1o de janeiro de 1942, para o qual certamente “autoridade policial” é o Delegado de Polícia, a quem compete presidir o inquérito policial.
Antes de mais nada, é preciso pensar o próprio direito como um sistema, aberto e incompleto, porque o conhecimento científico é provisório; dinâmico como a realidade de onde provêm, sendo produto histórico e cultural em permanente evolução, sem perder de vista que as normas são partes do todo com o qual se relacionam substantiva e formalmente de modo que, as leis, fazendo parte do ordenamento jurídico, não devem se afastar do contexto geral, devendo com ele harmonizar-se; em outras palavras, “não podemos conhecer a norma sem conhecer o sistema, o todo no qual estão integradas” (EROS ROBERTO GRAU, 2ª ed., SP: Malheiros, 1998, p. 19).
Ou como afirma com propriedade o Dr. MAURÍCIO ANTÔNIO RIBEIRO LOPES:
“... apenas com um Código Penal nas mãos não podemos conhecer o Direito Penal de um país, prescindindo do restante da legislação positiva do ordenamento jurídico, porque as decisões políticas traduzem-se em todas as normas jurídicas que se complementam, recortam ou limitam umas às outras como conseqüência da inadmissibilidade de contradição ética do Direito. As decisões políticas podem ser contraditórias, e de fato muitas vezes o são, mas o ordenamento jurídico há de estar imune e tal contradição, harmonizando-se dentro do contexto legal” (Princípios Políticos do Direito Penal, 2a ed., SP: RT, 1999, p. 202).
3. A expressão “autoridade”, conceituada como “aquele que tem por encargo fazer respeitar as leis; representante do poder público” (Dicionário Aurélio Eletrônico, versão 2.0) é utilizada pela legislação pátria  para designar “o poder pelo qual uma pessoa ou entidade se impõe às outras, em razão de seu estado ou situação. É o poder de direito de uma pessoa em virtude de sua especial capacidade de fato” (GOFFREDO TELLES JÚNIOR, Enciclopédia Saraiva do Direito, SP: Saraiva, 1978, v. 9, p. 330).
Mas várias são as derivações que se pode dar ao conceito de “autoridade”, de acordo com o prefalado “estado ou situação” e sua “especial capacidade de fato”, dando origem, entre outras, à expressão autoridade policial, indicativa da “pessoa que ocupa cargo e exerce funções policiais, como agente do Poder Executivo, subordinado ao Ministério da Justiça. Tais agentes têm o poder de zelar pela ordem e segurança públicas, reprimir os atentados à lei, ao direito, aos bons costumes” (Enciclopédia Saraiva do Direito, SP: Saraiva, 1978, v. 9, p. 351).   
A Constituição Federal de 1988, por sua vez, dispõe quanto à segurança pública:
“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º. A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 2º. A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º. A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. (Redação dada ao parágrafo pela Emenda Constitucional nº 19/98)
§ 4º. Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º. Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6º. As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 7º. A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
§ 8º. Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
§ 9º. A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do artigo 39.
Daí os conceitos de polícia administrativa (preventiva e inerente aos órgãos da Administração Pública), polícia judiciária (Polícia Civil) e polícia de manutenção da ordem pública (Polícia Militar); enquanto a primeira incide sobre bens ou restringe direitos, as demais agem visando reprimir a criminalidade, auxiliando a “ação judiciária penal, de competência dos Juízos e Tribunais Criminais”, como preleciona o Dr. ROGÉRIO LAURIA TUCCI (A Lei dos Juizados Especiais, Porto Alegre: Revista Unidade, ano XIV, n. 27, jul/set-96, p. 11).
HELY LOPES MEIRELLES assinalou, citando doutrina internacional moderna, que “se tem distinguido a polícia administrativa geral da polícia administrativa especial, sendo aquela a que cuida genericamente da segurança, da salubridade e da moralidade pública, e esta de setores específicos da atividade humana que afetam bens de interesse coletivo, tais como a construção, a indústria de alimentos, o comércio de medicamentos, o uso das águas, a exploração das florestas e das minas, para as quais há restrições próprias e regime jurídico peculiar” (Direito Administrativo Brasileiro, 18a ed., SP: Malheiros, 1993, p. 115); nesta última se insere o controle das condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
4. Nesse contexto (e sem embargo dos que defendem a tese de que só o Delegado de Polícia possui competência para lavratura do termo circunstanciado previsto no art. 69 da Lei n. 9.099/95, atendidos os preceitos dos arts. 144 da CF e art. 4° do CPP), como bem ensina DAMÁSIO DE JESUS, “a Lei que instituiu os Juizados Especiais Criminais, e que entrou em vigor no dia 26 de novembro de 1995, provocou verdadeira revisão de antigos conceitos e até mesmo de tradicionais dogmas do processo. Assentada em dispositivo específico da CF, deve ser analisada à luz de princípios próprios. Não se trata de um novo rito processual; cuida-se de um novo sistema, com filosofia e princípios próprios. De fato, o art. 98, I, da CF, ao permitir a conciliação entre Estado e autor do fato nas infrações penais de menor potencial ofensivo, revolucionou a sistemática até então reinante” (Lei dos Juizados Especiais Anotada, 4a ed., SP: Saraiva, 1997, p. 57).
Além disso, é de fundamental importância colher-se o espírito da Lei n. 9.099/95, que tem como critério orientador na aplicação da lei a informalidade, dando guarida ao princípio da instrumentalidade e afastando o excessivo apego às formas do processo na tentativa de estabelecer mínima injunção do Direito Penal na vida da comunidade.
Isso significa em certos momentos preterir os conceitos do Direito Penal e Processual Penal, de modo a dar preferência a outros posicionamentos que, estando de acordo com o espírito da lei, sejam suficientes para o efeito preventivo do caso; daí, porque "os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais foram realizados, atendidos os critérios indicados no art. 62 desta Lei e não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo" (Lei n. 9.099, art. 65).
Desta forma, "visa-se não excluir atos processuais, mas que eles sejam praticados de forma livre para atingir a sua finalidade que é a resolução da lide penal. A adoção do princípio da finalidade, conjugado com os princípios da oralidade, da simplicidade, da economia processual e da celeridade, certamente levará a uma prestação jurisdicional rápida e mais eficiente. Por isso se dispõe na lei que os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para os quais foram realizados. Assim, ainda que não obedecida uma formalidade legal, se o ato praticado produziu o efeito esperado no processo, realizando a sua finalidade com o atendimento dos critérios previstos no art. 62, será ele considerado válido. Não é declarada sua nulidade em obediência ao princípio da convalidação" (JÚLIO FABBRINI MIRABETE, JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS, 2ª ed., SP: Atlas, 1997, p. 45).
Para ROLF KOERNER JÚNIOR, advogado, professor universitário e ex-secretário de segurança do Estado do Paraná, “só conceituar quem seja autoridade policial, para a compreensão da regra do art. 69, da Lei n. 9.099/95, é insuficiente e, nesse passo, a natureza, o objeto e a finalidade do termo circunstanciado, quando entendidos em face do objetivo daquele diploma, é que têm importância e prevalência sobre o conceito daquela, este de há muito elucidado. Polícia Militar exerce função de autoridade policial, e pronto” (O Termo Circunstanciado é da Polícia Também, http://www.neofito.trix.net/front.htm).
Na verdade, explica o professor, "‘a Lei n. 9.099/95 introduziu um novo sistema penal-processual no Brasil. Não se restringe a mais um procedimento especial. Decorre do disposto no art. 98 da Constituição da República, relativamente aos crimes de menor potencial ofensivo. A oralidade, a informalidade informam a nova orientação. Busca-se, quanto mais rápido possível, a solução da matéria. Nessa linha, aboliu-se o inquérito policial, tantas vezes, responsável pela demora da solução jurídica. Houve, sem dúvida, evidente propósito de simplificação. Não só do procedimento judicial. Também do procedimento policial. Instituiu o Termo Circunstanciado, onde de modo resumido se registra a ocorrência. Deliberadamente, insistia-se, na espécie, foi substituído o inquérito policial’.
“É certo, o Juiz e o Ministério Público podem, a fim de ofertar denúncia, oferecer proposta ao acusado e decidir, solicitar esclarecimentos, ou adendo ao Termo Circunstanciado. Não é possível, todavia, transformá-lo em inquérito policial. A distinção entre ambos é a seguinte: o Termo Circunstanciado encerra notícia do acontecido, ou seja, a materialidade, com circunstâncias bastante para identificação do fato, e as pessoas envolvidas, ou seja, autor do fato definido como delito e as vítimas. O inquérito policial, ao contrário, desenvolve o mesmo fato, todavia, com informações mais pormenorizadas, ricas de pormenores, úteis, tantas vezes, para bem identificar a infração penal. O Termo Circunstanciado se contenta com elementos bastantes para ensejar a aproximação das partes e conciliação. Como se nota, a diferença é normativa, contudo bem definida.
“Nesse aspecto, então, impedir à Polícia Militar que preenchesse e encaminhasse o termo circunstanciado seria um despropósito, mesmo que sob a ótica de normativa constitucional, que não se aplica à espécie. Na verdade, desconsiderada a natureza diferencial entre termo circunstanciado e inquérito policial, quer-se-ia (só) burocratizar esse setor novo da justiça brasileira? Por que? Só para prestigiar um dos pólos da segurança pública e sacrificar os princípios que, essencialmente, deviam conduzir a ação de autoridades? A ser tão simplório o termo circunstanciado (mero cartão de apresentação de jurisdicionados ao seu juiz natural) por que exigir a sua confecção por agente de autoridade policial civil? Onde, na lei maior, a vedação para isso? Questão de atribuição invadida por uma das polícias não se faz presente; sequer o termo circunstanciado poderia ser impugnado pela via político-jurídica do habeas corpus” (idem).
Sob outro aspecto, ÁLVARO LAZZARINI, em obra anterior à edição da Lei n. 9.099/95 já alertava para a ausência de base científica para o preconceito contra as Polícias Militares brasileiras para o exercício do poder de polícia,  sob delegação do Estado, haja vista que os policiais militares possuem plena formação para o regular exercício das atividades de polícia administrativa e de polícia judiciária; ou seja, “a qualificação do órgão policial em civil ou militar não implica, necessariamente, o exercício de atividade de polícia judiciária ou de atividade de polícia administrativa. Ainda, não será o título universitário do agente público que pode qualificar a atividade policial desenvolvida. O que a qualificará em administrativa ou judiciária (isto é, preventiva ou repressiva) será, e isto sempre, a atividade de política desenvolvida em si mesma” (Polícia de Manutenção da Ordem Pública e a Justiça, in Direito Administrativo da Ordem Pública, 3a ed., RJ: Forense, 1998, p. 21).
Ora, deve-se considerar que, “na realidade da vida interiorana brasileira ainda o soldado de polícia, sempre fardado e armado das melhores armas que consegue apanhar - regulamentares ou não - é a encarnação mais presente e respeitada da autoridade do Estado, a presunção jurídica é sempre no sentido de que ele age em função do Estado ..." (RTJ 75/607).
5. Mas deve-se ir além, para se afirmar que a Lei n. 9.099/95 criou mesmo uma nova fase no processo penal brasileiro, aplicável para os crimes de menor potencial ofensivo e denominada por alguns como “espaço de consenso”, simplificando a primeira etapa da persecução penal, não só abolindo o inquérito policial, que foi substituído pelo termo circunstanciado, como também dispondo que a autoridade policial, de regra, não exerce função investigatória ou atividade da polícia judiciária; na verdade, o termo circunstanciado, nada mais é do que “um registro oficial da ocorrência, sem qualquer necessidade de tipificação legal do fato, bastando a probabilidade de que constitua alguma infração penal. Não é preciso qualquer tipo de formação técnico-jurídica para se efetuar esse relato” (DAMÁSIO DE JESUS, ob. cit., p. 58), o qual não é exclusivo das autoridades policiais em sentido estrito.
Isso não quer dizer que o inquérito policial tenha sido excluído do âmbito da Lei n. 9.099, ou que a função do Delegado de Polícia, como autoridade policial lato sensu, tenha perdido importância; ao contrário, tanto isso toma vulto, que se infere do enunciado do art. 69 da Lei n. 9.099/95, que  apenas a lavratura do termo circunstanciado será feita pela autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência, não havendo qualquer delegação de competência para proceder investigação criminal ou mesmo “autuação sumária”.
Ressalte-se, neste ponto, que sendo o inquérito policial apenas uma das modalidades de investigação criminal (pois, o próprio Código de Processo Penal, no par. único do citado art. 4o, dispõe que “a competência definida neste artigo não excluirá a de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função”) nada impede, em não sendo possível a transação, sejam as peças encaminhadas à Delegacia de Polícia para lavratura do auto de prisão em flagrante, servindo o termo circunstanciado posteriormente como mais um elemento para formação da opinio delicti, pelo órgão do Ministério Público.
Não se trata, pois, de substituir o inquérito policial pelo termo circunstanciado, este que deve ser visto como um procedimento anterior, “providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários” para instruir eventual ação penal (Lei n. 9.099, art. 69, caput, parte final), caso a conciliação e transação sejam inexitosas, nos termos do art. 76, da Lei n. 9.099/95 (havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta).
O colendo Superior Tribunal de Justiça, sempre atento às diretrizes da Lei n. 9.099/95, advindas do comando constitucional, com o objetivo de reduzir a polêmica produzida no seio da comunidade jurídica — sempre relutante em aceitar as transformações —, com vistas à não sacrificar as garantias constitucionais do cidadão, já tão aviltadas pela violência em nossas mais rotineiras tarefas, já assentou:
“JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL — TERMO CIRCUNSTANCIADO - DILIGÊNCIA POLICIAL — ALCANCE — RHC — Processo Penal — Lei n. 9.099/95 — Termo circunstanciado — Diligência policial.
“— A Lei n. 9.099 introduziu novo sistema processual-penal. Não se restringe a mais um procedimento especial. O inquérito policial foi substituído pelo Termo Circunstanciado. Aqui, o fato é narrado resumidamente, identificando-o e as pessoas envolvidas. O juiz pode solicitar à autoridade policial esclarecimentos quanto ao TC. Inadmissível, contudo, determinar elaboração de inquérito policial. A distinção entre ambos é normativa, definida pela finalidade de cada um. Tomadas de depoimentos é próprio do inquérito, que visa a caracterizar infração penal. O TC, ao contrário, é bastante para ensejar tentativa de conciliação" (RHC n. 6.249/SP, Rel. Min. LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, DJU 25.02.98, p. 000123).
Por outro lado, para o Des. ÁLVARO LAZZARINI, "é o Estado que delega autoridade aos seus agentes. O delegado de polícia é o agente que tem a delegação da chefia das investigações de infração penal cometida e de presidir o respectivo inquérito. O constituinte de 1988 e o legislador infraconstitucional não mais quiseram a desnecessária intervenção do delegado de polícia nas infrações de menor potencial ofensivo, salvo nas hipóteses de ser necessária alguma investigação, como apuração da autoria ou coleta de elementos da materialidade da infração. A autoridade decorre do fato de o agente ser policial, civil ou militar, razão de, na repressão imediata, comum à polícia de ordem pública (militar) e à polícia judiciária (civil), o policial deverá encaminhar a ocorrência ao Juizado Especial, salvo aquelas de autoria desconhecida própria da repressão mediata, que demandam encaminhamento prévio ao distrito policial para apuração e encaminhamento ao juizado competente. Daí concluir pelo acerto do posicionamento daqueles que, diante da filosofia que animou o constituinte e o legislador infraconstitucional para a oralidade, informalidade, economia processual e celeridade do processo, ao policial, militar ou civil, não se deve exigir o seu prévio encaminhamento ao distrito policial e de lá para o Juizado Especial Criminal, prejudicando a atividade da corporação com formalidades burocráticas desnecessárias” (apud LAURO JOSÉ BALLOCK, em Aspectos Controvertidos dos Juizados Especiais Criminais, p. 08).
DAMÁSIO E. DE JESUS fulmina:
“(...) e) Deste modo, como as autoridade policiais, na linguagem da Lei, só têm o encargo de elaborar o registro da ocorrência, nada impede que tal atribuição seja desempenhada por qualquer agente encarregado da função policial, preventiva ou repressiva.
“O policial militar, ao tomar conhecimento da prática de uma contravenção penal ou de um crime de menor potencial ofensivo, poderá registrar a ocorrência de modo detalhado, com a indicação e qualificação das testemunhas, e conduzir o suspeito diretamente ao Juizado Especial Criminal. Havendo dúvida sobre a incidência da Lei sobre o fato cometido, esta será resolvida na própria sede do Juizado. A conclusão coincide com a da Comissão Nacional de Interpretação da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995 (...)” (ob. cit., p. 59/60).
Realmente, a Comissão Nacional de Interpretação da Lei n. 9.099/95, sob a Coordenação da Escola Nacional da Magistratura e presidida pelo eminente Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, do colendo Superior Tribunal de Justiça, na célebre reunião de Belo Horizonte - MG, em 28 e 29.10.95 (em a qual estava presente este subscritor), externou na Conclusão n. 9  que:
“A expressão autoridade policial, referida no art. 69, compreende quem se encontra investido em função policial, podendo a Secretaria do Juizado proceder à lavratura do termo de ocorrência e tomar as providências previstas no referido artigo”.
Esta também já fora a conclusão do Colégio Permanente de Presidentes dos Tribunais de Justiça, na cidade de Vitória - ES, em 19 e 20.10.95: “pela expressão autoridade policial se entende qualquer agente policial, sem prejuízo da parte ou ofendido levar o fato diretamente a conhecimento do Juizado Especial”.
Posteriormente, quando da reunião da Confederação Nacional do Ministério Público, em Brasília – DF (14.12.1995), assentou-se: “1) A expressão ‘autoridade policial', prevista no artigo 69 da Lei nº 9.099/95, abrange qualquer autoridade pública que tome conhecimento da infração penal no exercício do poder de polícia”.
Nesta senda o colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu:
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. LEI N. 9.099/95. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. TERMO CIRCUNSTANCIADO E NOTIFICAÇÃO PARA AUDIÊNCIA. ATUAÇÃO DE POLICIAL MILITAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA.
“Nos casos de prática de infração penal de menor potencial ofensivo, a providência prevista no art. 69, da Lei n. 9.099/95, é da competência da autoridade policial, não consubstanciando, todavia, ilegalidade a circunstância de utilizar o Estado o contingente da Polícia Militar, em face da deficiência dos quadros da Polícia Civil” (HC n. 7199/PR, Rel. Min. VICENTE LEAL, DJU 28.09.98, p. 00115).
Daí, resulta importante lembrar o Provimento n. 04/99, da egrégia Corregedoria Geral da Justiça do Estado de Santa Catarina, assim fundamentado:
“CONSIDERANDO que A ‘autoridade policial’ que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários (art. 69 da Lei 9.099/95);
“CONSIDERANDO a necessidade da Justiça de Primeiro Grau conhecer e julgar todas as infrações penais de menor potencial ofensivo, cuja impunidade constitui germe de fatos mais graves;
“CONSIDERANDO que a imprecisão acerca do conceito de autoridade policial pode prejudicar a investigação de um fato punível, embaraçando o funcionamento de parte da Justiça Criminal (CDOJESC, art. 383, IX);
“CONSIDERANDO que todo policial, inclusive de rua, é autoridade policial (2ª Conclusão da Reunião de Presidentes de Tribunais de Justiça, Vitória/ES, 20/10/95);
“CONSIDERANDO que autoridade policial compreende todas as autoridades reconhecidas por lei (9ª Conclusão da Comissão Nacional de Interpretação da Lei n. 9.099/95, da Escola Nacional da Magistratura, Belo Horizonte, 10/95);
“CONSIDERANDO que A expressão ‘autoridade policial', prevista no art. 69 da Lei n. 9.099/95 abrange qualquer autoridade pública que tome conhecimento da infração penal no exercício do poder de polícia’ (1ª Conclusão da Confederação Nacional do Ministério Público, JÚLIO FABRINI MIRABETE, Juizados Especiais Criminais, 2ª ed., SP: Editora Saraiva, p. 60);
“CONSIDERANDO que, embora peça híbrida entre o boletim de ocorrência e o relatório do Inquérito Policial (JOEL DIAS FIGUEIRA JÚNIOR e MAURÍCIO ANTÔNIO RIBEIRO LOPES, ‘Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais’, ed. RT., 2a ed., p. 472), nada impede que a autoridade policial responsável pela lavratura do termo circunstanciado ‘seja militar’ (DAMÁSIO E. DE JESUS, ‘Lei dos Juizados Especiais Criminais Anotada’, 2ª ed., Editora Saraiva, p. 53);
“RESOLVE:
“Art. 1° - Esclarecer que autoridade, nos termos do art. 69 da Lei n° 9.099/95, é o agente do Poder Público com possibilidade de interferir na vida da pessoa natural, enquanto o qualificativo policial é utilizado para designar o servidor encarregado do policiamento preventivo ou repressivo.
“Art. 2° - Ressalvando o parágrafo único do art. 4° do Código de Processo Penal, a atividade investigatória de outras autoridades administrativas, ex vi do art. 144, parágrafo 5°, da Constituição da República, nada obsta, sob o ângulo correicional, que os Exmos. Srs. Drs. Juízes de Direito ou Substitutos conheçam de ‘Termos Circunstanciados’ realizados, cujo trabalho tem também caráter preventivo, visando assegurar a ordem pública e impedir a prática de ilícitos penais”.
Concluindo: para o procedimento penal previsto na Lei n. 9.099/99, específico na persecução aos crimes de menor potencial ofensivo, na adequada interpretação ampliativo-sistemática da regra do art. 69, da Lei n. 9.099/95, o policial militar, como autoridade policial, pode lavrar termo circunstanciado, sem exclusão de idêntica atividade do Delegado de Polícia, ou servidor competente.
3.  Diante do exposto, concede-se a ordem para trancar o inquérito policial, instaurado contra os pacientes.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Des. Alberto Costa (que o presidiu) e Jorge Mussi, e lavrou parecer, pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, o Exmo. Sr. Dr. Demétrio Constantino Serratine.
Florianópolis, 18 de abril de 2000.


Álvaro Wandelli
Presidente para o acórdão (sem voto)


Nilton Macedo Machado
Relator